vendredi, mars 26, 2010

Pausa dramática



- E se eu não misturasse tanto tudo num só nada?
- Humpf, disse o espelho.






mardi, mars 23, 2010

Asas de cigarra



I

E se eu pisasse apenas no chão?
Quem sabe não saberia por onde ir...
E se dissesse apenas o pronunciado
Cantaria de forma plena?
Antes desistisse de escrever
A solidão não teria possibilidade de ser lida
E a ausência seria apenas ausência, ponto.
Aceitaria pensar de uma única forma
Teria tudo uma única semântica, fora.
Esperaria que tudo lhe visse no singular
Cada lágrima seria palpável e estaria toda
Dentro do que se pudesse enxugar
Há cigarras no som das palavras, no espaço (dentro).



II

Os tempos verbais oscilam
Entre o que tem claridade e o que sabe ser escuro
E dançam na chuva mesmo que ela não lhe caia
O tempo do que se escreve nem precisa
Ser o mesmo do que aquele em que se lê
- Espaço Lingüístico de métricas e rimas indefiníveis
Que já define o em torno
Dois pontos: infinito e plural.

Seja como-for, linguagem é sempre espelho.
Antes não refletisse tanto a vontade do que é simétrico
O leitor dual, o Outro, a correspondência...
Silêncio guardando a espera e o esperado, nulo.

Guardo sempre um silêncio esperando quem o consiga achar
O que sempre não digo precisando que me adivinhem
Máximos detalhes: insuspeitados
Vontade de assumir o impermeável da redondeza.

O medo do inverno que ameaça:
E se eu desistisse de escrever?



III

Não sei viver de forma explícita, delimitada
Quero seguir explodindo e calando
Aqui, no eterno presente das Palavras em plenoutono:
Outono é tempo de cigarras

Gosto de andar de forma reticente...
Uma pausa em cada ponto, em cada passo (aberto)


vendredi, mars 12, 2010

É preciso?


Sabe quando a gente sente a necessidade de se mostrar seguro de si frente às crianças, quando elas nos perguntam algum por quê? Não me excluo disso, várias vezes me peguei respondendo coisas absurdas ao meu irmão mais novo, desde que ele começou a falar... e até mesmo agora, que ele tem oito anos. Pode-se agir de forma infantil de dois jeitos ao menos: de forma sincera, por de fato ser criança e ter uma curiosidade que pode soar como descabida, ou de forma tola. Sim, há a analogia de que cientistas são eternas crianças, que sempre perguntam (à natureza, não a si mesmos) o porquê de tudo, mesmo quando o senso comum patenteia uma certa obviedade. Aliás, geralmente patenteia-se obviedade sobre o que é tão simples que não dá pra explicar. Claro, muitas vezes essa simplicidade esconde uma complexidade tal que não pode ser entendida. Ora, mas as crianças não entenderiam se fôssemos lhes explicar a verdade... em parte porque só sabemos explicar as verdades entendidas numa linguagem que elas ainda não aprenderam. O interessante também é ver como elas criam realidades as mais surreais e vivem muito livres de contradição ali dentro. Quer dizer que, faz de conta... Talvez a gente deixe de ser criança quando aprende direitinho o faz de conta coletivo. Fazemos toda uma natureza de contas. Mas que essa crítica não seja pesada. Ou melhor, pesada de qualquer forma, em qualquer campo gravitacional. Não estou questionando nem de longe que as coisas existem unicamente da forma como existem. A crítica cai em cima do que somos da forma que somos. O problema (ou a graça) não está no que é natural, mas na forma como entendemos (e somos) esse natural. As certezas formam-se involuntariamente, é preciso reconhecer ordem, é inevitável reconhecer o que se tornou familiar. Mas é ainda conveniente que se reconheça a possibilidade de novas ordens. Porque sempre fica o que não se entende, mesmo quando se explica. Às vezes a gente parece olhar pro espelho e responder àquela criança que ficou que é tudo muito simples, não havendo motivo pra alarde. É uma crise infantil, vai passar assim que a gravata estiver dada ao nó.


Bom, isso escrevi depois de ler esse trecho em especial:

“Portanto, é bom procurar o sentido e os fatos que ficam por detrás das palavras. Ao voltar às definições, o matemático procura assenhorear-se das reais relações de elementos matemáticos que estão por detrás dos termos técnicos, assim como o físico procura confirmações experimentais para seus termos técnicos e o homem comum, com algum bom senso, procura chegar aos fatos reais e não ser iludido por meras palavras.” (trecho de A Arte de Resolver Problemas, Polya)


Sim, reconheço a intenção do que está sendo dito, linguagem cria alguns labirintos espelhados mesmo. Não vou exagerar e ver nisso a afirmação de que a verdade a ser alcançada é única, singular. Mas as entrelinhas disso dizem que a qualidade lingüística da matemática é puramente heurística. Creio que verdade seja sempre o que se busca e que matemática seja essencialmente uma linguagem, com seus signos, símbolos convencionados, intérpretes... criadores. Linguagem artificial, claro. Objetiva, pelo que lhe objetivam. “Navegar é preciso; viver, não”.

lundi, mars 08, 2010

Fictício



Sempre que queria afirmar algo,
inventava um personagem.
Porque, sendo uma pessoa real,
podia com esse algo não tocar a realidade.
Assim falavam sobre as flores, as estrelas, os números e as pedras
as pessoas que assim percebiam as flores, as estrelas,
os números e as pedras
E sempre estavam certos, por mais que discordassem,
As pessoas que interpretava
Dentro do mundo afirmado

E nunca fora incoerente...
Mas sua voz não fez senão ouvir
Nos olhos, o silêncio do que é natural.