samedi, août 29, 2009

Prefácio

Lógica Simbólica, de Leônidas Hegenberg. (os itálicos geralmente representam as partes onde eu mais viajei)


[Partes do Prefácio de Milton Vargas]

A Lógica, assim como grande parte dos fundamentos de nossa cultura, foi-nos legada pelos gregos. Entretanto, êsse legado não foi, por nós, preservado intato e intocado; pelo contrário, êle foi utilizado até quase o desgaste completo, depois reformado, engrandecido e reinvestido nesse grande empreendimento que vem sendo a civilização ocidental.
Creio que se poderia sustentar que a Lógica grega é irmã gêmea da Metafísica, e que ambas tiveram origem espúria no poema de Parmênides - para serem, sòmente mais tarde, adotadas e distinguidas por nomes diferentes, na obra aristotélica. Como os gregos tinham fé inabalável na existência e na realidade concreta do mundo em que viviam, achavam eles que, por trás das fugases aparências fenomênicas do mundo sensível, havia uma "substância" perene e imutável que garantia essa sua fé. Isto teria sido revelado a Parmênides pela própria deusa da sabedoria, a qual lhe fêz ver que - o que é, é; nada pode ser e não ser ao mesmo tempo; e, não há outra possibilidade senão ser ou não ser. A deusa revela-lhe, ainda, a identidade entre a coisa que é, e a que é pensada. Estavam estabelecidas as três leis fundamentais da lógica simultâneamente com a assimilação entre o pensar e o ser. Daí por diante, os gregos puderam sustentar que há uma ordem perene do pensamento pela qual pode-se chegar a inteligir as coisas como "entes" - certos, verdadeiros e perenes - é a ordem do "logos", a origem da lógica, baseada no pensamento, e diferente da opinião baseada nas aparências fenomênicas perecíveis e transitórias, com que nos defrontamos quotidianamente no mundo, atravéz dos nossos sentidos.
Portanto, o segrêdo que Parmênides diz, no seu poema, lhe ter sido revelado, seria simplesmente o seguinte: há uma possibilidade de pensar as coisas de uma forma certa e perene - isto é, pensando-as como "entes", os quais obedecem às leis que hoje sabemos serem as leis da lógica.
Quando Aristóteles estabelece que o que existe é a substância, e que a substância é essencialmente aquilo que é sujeito de uma proposição, mantém a unidade lógica - ontologia acima mencionada. Assim, se digo que A é B, A, o sujeito da proposição, é uma substância que existe certa e perenemente, enquanto o for também B. A lógica aristotélica é, portanto, uma lógica concreta - diz respeito a entes existentes num mundo real e veraz, onde se tem fé absoluta de que realmente A é A e que B é a essência da substância A. B é o que se diz da substância A, o seu predicado – aquilo absolutamente necessário para que a substância permaneça sendo o que é. Era, enfim, a lógica grega um “instrumento” (organon) para a compreensão de um mundo real e verdadeiro.
Entretanto, com o advento do Cristianismo, a crença pagã de um mundo certo e perene veio a ser substituída por uma crença em Deus, fonte de toda verdade e eternidade, e criador do mundo. Durante toda a Idade Média prevaleceu, portanto, a fé em Deus e nas suas revelações, as quais constituíam dogmas. Êsses dogmas seriam como que “proposições primeiras” de cuja verdade não seria possível duvidar. A partir das “proposições primeiras”, a lógica atuaria no sentido de deduzir das verdades reveladas as suas conseqüências, comprovando-as, pela adequação dessas com as coisas. Portanto, a lógica passou, nessa época, a ser uma “arte do raciocínio”, distanciando-se da sua origem ontológica. A existência de Deus era a garantia da adequação entre o que se raciocinava e o que ocorria na realidade.
Com o advento da Idade Moderna o mundo tornou-se dúvida, e Deus afastou-se da cena deixando de atuar como garantia da veracidade das “proposições primeiras”, ou como adequação entre as coisas e o pensamento. Assim a Lógica, aos poucos, perdeu sua concreticidade e passou a simplesmente regulamentar o simples encadeamento do raciocínio.
No fim do século passado, a análise lógica das sentenças, aproximando-se das matemáticas, foi sendo substituída por um “cálculo-de-proposições”, mais amplo que o anterior e que completou a sua formalização. Por outro lado, o desenvolvimento das matemáticas exigiu uma análise lógica dos seus princípios, no sentido de depurá-los de toda falsidade ou redundância. Isto deu lugar ao que se chama hoje de Lógica Simbólica ou Matemática. [...]
A Lógica Simbólica é, desde então, um corpo de doutrina ou uma ciência, pela qual são estabelecidas as leis formais que regem o encadeamento correto dos raciocícios, desde suas proposições primeiras até as conclusões. Não há, na lógica de hoje, a exigência de verdade ontológica como havia na grega, mas, só a da correção das operações lógicas, isto é, da validade dos argumentos. O problema da verdade das proposições primeiras não mais afeta a Lógica.

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